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Mísseis X Aviões Civis

Com o Boeing 777 do voo MH17, pelo menos 16 aeronaves comerciais foram alvejadas por projéteis guiados lançados do solo, de navios ou por caças nas últimas cinco décadas


A destruição sobre a Ucrânia do Boeing 777 que fazia o voo Malasya MH17, causando a morte das 298 pessoas a bordo, em 17 de julho último, reacendeu desesperadamente a discussão sobre o perigo de voos comerciais sobrevoarem áreas conflagradas onde há instalados mísseis antiaéreos de alcances longo e médio. Em tese, esses armamentos não deveriam ser uma ameaça, já que, afora pousos e decolagens, aviões de carreira trafegam em aerovias conhecidas, bem delimitadas e, geralmente, a grandes altitudes, cerca de 10.000 m (33.000 pés), acima do pacote operacional da maioria desses sistemas bélicos. Porém, não é o que a história registra.

Desde 1962, pelo menos 16 aeronaves comerciais (incluindo o voo MH17) foram atacadas por mísseis lançados do solo, de navios ou por caças, em uma sucessão de atentados e erros trágicos que mataram 1.531 pessoas. Seis dessas aeronaves foram atingidas quando voavam no espaço aéreo superior, acima de 7.467 m (24.500 pés). Sete dos abates ocorreram na Rússia, na antiga União Soviética e suas ex-repúblicas, sendo três a baixa altura ou no solo na Abecásia, Geórgia, e os demais acima dos 7.000 m, na Ucrânia (o MH17), no Mar Negro, na Sibéria e no Mar do Japão, próximo da Ilha Sacalina. Quatro ataques ocorreram na África e três no Oriente Médio. Na Europa, foram registrados dois incidentes jamais completamente esclarecidos. Nas Américas e na Oceania não há casos registrados. Só em duas ocasiões tripulantes e aeronaves aterrissaram em segurança.

Asa do Airbus A300B4 que foi atingido por um míssil próximo a Bagdá

O voo MH17, que partiu de Amsterdã, Holanda, com destino a Kuala Lumpur, na Malásia, e acabou espatifado no solo nas proximidades do vilarejo de Grabovo, na província de Donetsk, a cerca de 50 km da fronteira com a Rússia, poderia ter sido desviado, evitando a zona de conflito entre tropas ucranianas e separatistas apoiados pela Rússia. Desde 3 de março, as companhias aéreas Korean e a Asiana haviam deixado de voar sobre a Ucrânia por razões de segurança. Em 29 de junho, a emissora russa NTV noticiou que rebeldes haviam tomado uma base e se apossado de pelo menos um sistema antiaéreo de médio alcance Buk-M1, possivelmente dotado de mísseis SA-11, com alcance até 12.800 m (42.000 pés) de altitude. Em 14 de julho, três dias antes do ataque, a Organização Europeia de Segurança na Aeronavegação, a Eurocontrol, informou que autoridades ucranianas haviam fechado o tráfego aéreo abaixo do nível 320 (9.700 m). O MH17 teria sido atingido a 10.000 m (32.800 pés). A Malasya, assim como outras companhias, não mudou suas rotas acima deste nível, alegando, posteriormente, que a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, em inglês) não havia colocado outras restrições ao voo.

Depois do ataque, já com as rotas desviadas, o presidente da IATA, Tony Tyler, informou em comunicado: “As companhias aéreas dependem de governos e autoridades de controle de tráfego aéreo para avisá-las que o espaço aéreo está disponível para voar, e elas se organizam de acordo com esses limites”. Tyler afirmou ainda: “É como dirigir um carro. Se a estrada está aberta, você assume que é segura. Se for fechada, busca uma rota alternativa”. Porém, em 3 de abril a Administração Federal de Aviação (FAA, em inglês), agência norte-americana, havia anunciado: “Operações de voo estão proibidas até segunda ordem no espaço aéreo sobre a Crimeia, no Mar Negro e no Mar de Azov”. Com as rotas sobre a Ucrânia fechadas, as companhias Qantas, Emirates, Air France, Lufthansa e Virgin anunciaram que também deixaram de voar sobre o Iraque, que tem parte de seu território dominado por insurgentes.

Investigadores encontraram evidências de que o 777 foi abatido por um míssil. Havia marcas de estilhaços na fuselagem e, acredita-se, houve uma descompressão explosiva. O artefato empregado seria um míssil antiaéreo do sistema Buk. Conversas telefônicas não confirmadas e anteriores ao abate indicariam que os rebeldes estavam prestes a tornar o Buk operacional. Todavia, será difícil os investigadores determinarem com clareza quem fez o disparo – se milicianos ou forças ucranianas –, já que o armamento é empregado por ambos os países. Observando em retrospectiva, parece fácil afirmar que o maior acidente da aviação comercial envolvendo um ataque com míssil poderia ter sido evitado, não obstante o fato de que os humores políticos e militares, assim como o erro humano, são imprevisíveis, conforme apontam os 15 casos anteriores.

Aeronaves abatidas

Erros, beligerância, terrorismo e assassinato

Iraque, Bagdá
22 de novembro de 2003 - sem vítimas
Rebeldes muçulmanos fedayins disparam um míssil portátil Strela 3, de fabricação russa, contra um Airbus A300B4 a serviço da DHL. A aeronave havia acabado de decolar do aeroporto internacional de Bagdá e foi atingida na asa esquerda quando estava a cerca de 2.450 metros, em uma subida acentuada justamente para evitar este tipo de ataque. O avião perdeu pressão hidráulica. Mesmo assim, a tripulação conseguiu fazer um pouso de emergência em Bagdá. O atentado foi registrado por uma equipe de TV francesa, que desconheceria as intenções dos rebeldes.

Caravelle III foi abatido em 11 de setembro de 1969 no Mediterrâneo

Mombassa, Quênia
28 de novembro de 2002 - sem vítimas
O atentado fez parte de dois ataques contra alvos israelenses no país africano. Quase simultaneamente, um hotel foi atingido por um carro-bomba e um Boeing 757, da companhia charter Arkia, escapou por pouco de dois mísseis Strela 2, lançados por terroristas muçulmanos nas proximidades do aeroporto.

Mar Negro
4 de outubro de 2001 - 78 mortos
Um Tupolev Tu-154M da Siberia Airlines, voando de Tel Aviv para a Rússia, é abatido sobre o Mar Negro com 78 pessoas a bordo. A hipótese de terrorismo foi descartada depois que as investigações descobriram que um míssil ucraniano, disparado em um exercício militar, havia travado no alvo errado.

República Democrática do Congo
10 de outubro de 1998 - 41 vítimas
Um Boeing 727 da Lignes Aériennes Congolaises é atingido na cauda por um Strela 2, cerca de três minutos após decolar do aeroporto de Kindu. O comandante ainda tentou um pouso de emergência, mas a aeronave se destroçou ao cair na selva.

Abecásia,
República da Geórgia
Setembro de 1993 - 136 mortos
Entre os dias 21 e 23, três Tupolev da Transair Georgia são atingidos no aeroporto de Sukhumi por mísseis e morteiros lançados por rebeldes separatistas.

Golfo Pérsico
 3 de julho de 1988 - 290 mortos
Um Airbus da Iran Air, que seguia em rota de Teerã para Dubai, é identificado, erroneamente, como uma aeronave hostil, sendo abatida por um míssil de longo alcance lançado do cruzador USS Vincennes. A investigação apontou para erro humano e falha do radar.

Afeganistão
4 de setembro de 1985 - 52 mortos
Um Antonov An-26 da Bakhtar Afghan Airlines é alvejado perto do aeroporto de Kandahar, enquanto executava círculos a fim de ganhar altura. O An-26 estava a 3.800 m de altitude e a 18 km da pista.

Mar do Japão
1º de setembro de 1983 - 269 mortos
Um caça soviético Sukhoi Su-15 dispara um míssil contra o KAL007, da Korean Air Lines, que voava de Nova York para Seul. O Boeing 747 havia se desviado da rota acidentalmente e foi confundido com uma aeronave espiã. De início, a antiga União Soviética negou qualquer ligação com o episódio, mas depois alegou invasão de seu espaço aéreo.

McDonnell Douglas DC-9 da Itavia foi abatido pela marinha francesa

Mar Tirreno
27 de junho de 1980 - 81 mortos
Um McDonnell Douglas DC-9 da Itavia despenca no Mar Tirreno, ao norte da Sicília, quando fazia a rota entre Bolonha e Palermo, no que ficou conhecido como o Massacre de Ustica. A investigação foi conturbada e obstruída por militares italianos. O primeiro-ministro da Itália afirmou que a queda foi causada por míssil disparado por um avião da marinha francesa. Na ocasião, caças da OTAN teriam tentado interceptar um caça líbio sobre o mar. O caso foi reaberto algumas vezes. Os responsáveis jamais foram apontados.

Rodésia (hoje Zimbábue)
12 de fevereiro de 1978 - 59 mortos
Munidos de mísseis Strela 2, guerrilheiros do Exército Revolucionário do Povo do Zimbábue (Zipra) atingiram um Vickers Viscount da Air Rodesia, logo após a decolagem do aeroporto de Kariba. Foi o segundo ataque no mesmo local.

Rodésia (Zimbábue)
3 de setembro de 1978 - 48 mortos, 8 sobreviventes
Um Vickers Viscount da Air Rodesia é atingido por um Strela 2 lançado por rebeldes do Zipra ao decolar de Kariba. A aeronave foi atingida a estibordo, forçando o piloto a realizar um pouso de barriga sobre um algodoal. Das 56 pessoas a bordo, 38 morreram na queda. Dez sobreviventes foram fuzilados pelos rebeldes. Cinco dos sobreviventes conseguiram fugir, outros três fingiram estar mortos.

Mar Mediterrâneo
11 de setembro de 1969 - 95 mortos
Um Caravelle III da Air France cai no mar, perto da cidade francesa de Nice. A causa aparente seria um incêndio, mas havia a suspeita de atentado a bomba ou ataque de míssil. O governo francês abafou o caso. Em 2011, um ex-oficial do exército francês admitiu que o avião foi abatido por um míssil, disparado por engano durante um exercício.

Krasnoyarsk, Rússia
30 de julho de 1962- 84 mortos
Um Tupolev Tu-104A da companhia estatal soviética Aeroflot emitiu uma confusa chamada de emergência antes de se espatifar no distrito de Beryozsky, a 50 km de Krasnoyarsk, na Sibéria. O voo seguia de Khabarovsk para Moscou. De acordo com as autoridades, as causas do acidente poderiam ser perda de orientação espacial pelo excesso de nuvens, incêndio a bordo ou alguma causa desconhecida que teria provocado estol e perda de controle. Havia marcas de estilhaços na fuselagem. Anos depois ganhou força a versão de que um míssil foi disparado por engano durante um exercício militar nas redondezas.

Por André Vargas
Publicado em 01/09/2014, às 00h00


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