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Adeus ao clássico

O último DC-10 de passageiros deixa os aeroportos para ganhar lugar no imaginário dos amantes da aviação


Um dos grandes ícones da aviação comercial deixa os céus. Neste ano, a companhia aérea Biman Bangladesh Airlines retirou de serviço o último McDonnell Douglas DC-10-30 certificado para o transporte regular de passageiros. Antes da “aposentadoria”, porém, o jato de matrícula S2-ACR realizou voos de despedida dedicados a convidados. Assim que o DC-10 pousou em Birmingham, no Reino Unido, após cumprir o seu roteiro regular a partir de Daca, via Kuwait, foi reabastecido para executar uma etapa de 50 minutos, a 7.315 m (24.000 pés), sobre a Grã-Bretanha. Seria apenas um voo, mas, diante dos apelos de inúmeros aficionados, a Bangladesh acabou realizando um total de nove jornadas durante três dias.

A disputa pelos assentos dispostos junto às janelas foi acirrada, e seus ocupantes não se incomodaram com o valor cobrado pelo bilhete, US$ 330. Os lugares mais procurados eram aqueles localizados próximos aos motores da asa, assim como os da seção traseira, que permitiam melhor observação dos flaps. Todos procuraram registrar de alguma forma o voo de despedida e quem já havia voado outras vezes naquela máquina emocionava-se ao escutar pela última vez o tradicional ronco dos motores General Electric (GE) CF6-50.

No cockpit, revezaram-se pelo menos cinco veteranos do DC-10, entre eles o comandante M.A. Abdul Qayum, que não poupou elogios à aeronave. Em entrevista a um jornal inglês, comparou o trijato a um carro de luxo Cadillac, confortável para pilotos e comissários e inovador para sua era. Tinha boas lembranças, embora reconheça que o avião tornou-se obsoleto e antieconômico, com gastos de combustível por assento em média 35% superiores aos jatos de grande porte de última geração.

A aeronave S2-ACR foi a penúltima entregue pela McDonnell Douglas, em 30 de dezembro de 1988. A empresa fechou a linha de produção com um total de 446 entregas. Os grandes hangares de Long Beach, CA, passariam a atender a demanda para a nova geração do trijato, que recebeu a designação MD-11. A Biman aposentou o DC-10 e passou a operar jatos do modelo Boeing 777-300ER nas rotas entre a capital Daca e as cidades de Birmingham, Frankfurt, Londres, Roma e Nova York. A troca de aeronaves aconteceria em dezembro de 2013, mas um atraso na entrega do terceiro Boeing levou a companhia a rever sua malha. O quarto avião foi entregue em março último e ainda há uma encomenda para quatro unidades do Boeing 787-8.

DC-10
DC-10 da National estocados em Miami após proibição dos voos em 1979

Concorrente para o Jumbo

Entre 1968 e 1988, a Douglas produziu 446 aviões DC-10, incluindo 60 versões militares KC-10 Extender, para transporte de tropas e reabastecimento em voo. O trijato realizou seu primeiro voo em 29 de agosto de 1970 e entrou no mercado como uma resposta da McDonnell Douglas para a grande concorrência imposta pela Boeing, que lançara em 1966 o primeiro jato comercial de grande porte do mundo, o Boeing 747, com a primeira entrega para a Pan American (Pan Am) em 13 de dezembro de 1969 e o voo inaugural em 21 de janeiro de 1970.

Já o “10” tornou-se o primeiro trijato comercial de grande porte da história e, na época, teve como único concorrente na categoria o L-1011 Tristar fabricado pela Lockheed. Em princípio, os engenheiros esboçaram uma aeronave para até 550 passageiros, impulsionada por quatro reatores e configuração com dois andares, desenho muito parecido com o que se tem hoje nas aeronaves Airbus A380. Os custos do projeto, entretanto, eram altos e logo a ideia foi descartada – além disso, o mundo começava a mergulhar numa grave crise de petróleo. Optou-se, então, por um trijato, sendo que dois motores estariam instalados sob as asas e um terceiro, central, no estabilizador vertical. O grande diferencial do DC-10 em relação ao L-1011, aliás, está justamente na disposição do motor central. No Tristar, o bocal do reator nº 2 foi projetado sobre a fuselagem, e um duto conduz o ar para a entrada do motor, este localizado um pouco mais abaixo, na área mediana do “charuto” da fuselagem. É o mesmo sistema adotado pela Boeing para a alimentação do motor central no trijato Boeing 727.

O primeiro DC-10 foi lançado para cumprir as rotas médias no mercado doméstico norte-americano. Impulsionado por três motores GE CF6-6, os primeiros de uma família de motores de altíssima confiabilidade, o modelo recebeu a designação DC-10-10. Um detalhe interessante é que o DC-10-10 não tinha o trem de pouso central, uma das características emblemáticas nos jatos lançados posteriormente e também nos MD-11. A McDonnell Douglas produziu um total de 122 aviões dessa família. A autonomia máxima era de 6.110 km em configuração com duas classes ou de 4.360 km, com peso máximo de decolagem. O primeiro voo aconteceu em 29 de agosto de 1970, quando teve início uma série de testes, incluindo 929 voos num total de 1.551 horas. A certificação da Federal Aviation Administration (FAA) veio em 29 de julho de 1971 e o voo inaugural, executado entre Los Angeles e Chicago, aconteceu no dia 5 de agosto daquele mesmo ano. A American Airlines tornou-se a primeira operadora com uma encomenda de 25 aeronaves, seguida pela United Airlines, com pedido para 30 jatos e opção para outros 30 aviões.

O clássico trimotor nas cores da Varig
O clássico trimotor nas cores da Varig

Performance melhorada

Não tardou para que algumas companhias aéreas solicitassem uma versão de autonomia superior. Os engenheiros, então, trabalharam no próprio DC-10-10, que recebeu um trem de pouso central e tanques extras de combustível, proporcionando alcance de até 10.010 km, ou de 6.490 km (com peso máximo de decolagem). Surgiu o DC-10-30, versão de maior sucesso da família. Equipados com três motores do tipo GE CF6-50, os primeiros jatos deixaram a linha de produção em novembro de 1972 para serem entregues às europeias Swissair e KLM.

A norte-americana Northwest Orient Airlines, que foi a maior operadora no mundo de aeronaves DC-10 nas versões para transporte de passageiros, pediu à McDonnell Douglas que projetasse mais uma versão do trijato. Os motores foram substituídos pelos Pratt&Whitney JT9D-15, com 202 kN (45.500 lbf) de empuxo cada um, e o peso máximo de decolagem subiu para 240.400 kg. O avião fora inicialmente batizado como DC-10-20, mas, atendendo aos apelos do cliente que desejava apresentar sua aquisição como uma versão superior ao DC-10-30 operado pela maioria das companhias aéreas, a McDonnell Douglas o lançou como DC-10-40. Um detalhe importante é que a Northwest já havia encomendado aeronaves do modelo Boeing 747 com motores Pratt & Whitney e, dessa maneira, teria boa economia nos trabalhos de manutenção ao adotar os mesmos motores nos trijatos.

No total, foram produzidos 42 aviões da série “40” entre 1973 e 1983, sendo que apenas dois operadores ficaram com os aviões, 22 para a Northwest e 20 para a Japan Airlines. O fabricante acabou adotando reatores ainda mais potentes, sendo que os da Northwest foram equipados com os PW JT9D-20, de 222 kN (50.000 lbf) de empuxo, garantindo o peso máximo de decolagem de 251.815 quilos; e os motores PW JT9D-59A nos aviões japoneses, com 236 kN (53.000 lbf) de empuxo e homologação para peso máximo de decolagem de 256.350 kg.

Uma versão com performance melhorada a partir do “30” acabou surgindo nas pranchetas da engenharia da McDonnell Douglas, que produziu seis DC-10-30ER (Extended Range). Outros cinco jatos já em operação também foram convertidos. O trijato ganhou motores do modelo GE CF6-50C2B, de 240 kN (54.000 lbf), e um novo tanque na seção traseira. O peso máximo subiu para 263.160 kg, com alcance de 11.000 km. A primeira entrega para a finlandesa Finnair aconteceu em 1981.

Mediante pedido das companhias aéreas Aeroméxico e Mexicana, que operavam em aeroportos de alta elevação, os norte-americanos lançaram a versão “15” da aeronave. Basicamente, o DC-10-10 ganhou uma remotorização, com reatores GE CF6-50C2F, também utilizados nas aeronaves DC-10-30. Apenas sete desses aviões deixaram a linha de produção entre os anos de 1981 e 1983.

Um pacote para modernização dos jatos em operação foi oferecida aos operadores nessa última década com o intuito de melhorar a performance e, principalmente, retirar da cabine a posição do engenheiro de voo, que trazia aumento significativo nos custos operacionais. Para isso, a cabine recebeu novos aviônicos e uma nova ergonomia de modo a aproximar o desenho do cockpit daquele encontrado nos jatos MD-11. O trabalho foi de responsabilidade das equipes do Boeing Converted Freighter program, já que a fábrica norte-americana havia assumido a compatriota McDonnell Douglas no dia 1º de agosto de 1997. O DC-10 modernizado ganhou a denominação “MD-10”, hoje em voo entre a maioria dos operadores. A própria Federal Express hoje utiliza os mesmos técnicos na malha de voos do MD-10 e do MD-11.

Canadian em Guarulhos com aeronave DC-10-30
Voo inaugural da Canadian em Guarulhos com aeronave DC-10-30

Nas asas brasileiras

Foram produzidos 163 aviões DC-10-30 em Long Beach para pelo menos 38 companhias aéreas, entre elas a brasileira Varig, que chegou a operar um total de 15 jatos de passageiros, sendo que três voaram por pouco tempo, arrendados da Canadian Pacific (PP-VMO e PP-VMP) e da Singapore Airlines (PP-VMR). Os aviões entraram em operação a partir de 1974 nas principais rotas internacionais operadas pela companhia gaúcha, substituindo os antigos Boeing 707. “Lembro-me de que a transição do 707 para o DC-10 foi muito prazerosa, já que deixei os pesados comandos e os sistemas antiquados para assumir uma cabine muito mais avançada. No Boeing se descia em voo manual, com motores de difícil sincronização, que praticamente puxavam o avião para um lado ou para o outro, enquanto no DC-10 eu contava com sistemas automáticos confiáveis, comandos macios e procedimentos ILS sempre cravados no eixo da pista”, recorda o comandante Souza Pinto, que acumulou mais de 3.000 horas de voo nos comandos dos trijatos operados pela Varig, tanto na versão de passageiros como nos cargueiros. Ele lembra com carinho a época do treinamento inicial, quando recebeu instrução do seu próprio pai. “Ele já estava aposentado e foi a oportunidade que tivemos para nos cruzar na carreira de aviador”. Para o comandante Souza Pinto, o único senão da aeronave ficava por conta dos manuais. “Escritos por advogados! Era um verdadeiro sufoco para os estudos, e os pilotos acabavam redigindo suas próprias apostilas, muito criticadas pelas autoridades aeronáuticas, mas que, na prática, eram muito bem-vindas”, recorda o aviador.

A Vasp também operou esses aviões por um período curto de tempo, no início da década de 1990, colocando-os em rotas domésticas e internacionais. Três ostentaram as cores da companhia (PP-SOM, PP-SON e PP-SOV), um quarto recebeu a pintura da subsidiária Equatoriana (PP-SFB) e um quinto foi arrendado da Finnair (OH-LHB), mantendo as cores originais da finlandesa. Um fato curioso é que a Vasp, numa certa época, fechou parceria com a Continetal Airlines e a norte-americana acabou pintando as cores da Vasp no lado direito da fuselagem da aeronave DC-10 de matrícula N14062. De um lado Continental, do outro, Vasp. Poucos entusiastas da aviação conseguiram fotografar essa aeronave, uma verdadeira “figurinha carimbada” na época.

Ainda houve outros operadores nacionais das aeronaves DC-10. A cargueira Master Top Airlines (MTA), que operou três DC-10-30F, tendo iniciado suas atividades no primeiro semestre de 2006. E ainda a charter Skyjet, que operou durante a década de 1990 uma aeronave DC-10-30 de matrícula PP-AJM, em alusão ao nome do proprietário Ângelo José Mourão, e ainda um DC-10-15 de matrícula estrangeira V2-LER.

Acidentes de percurso

As vendas das aeronaves DC-10 poderiam ter alcançado números bem mais expressivos. Encontrou pela frente a concorrência da Lockheed com seus trijatos L-1011 e um número assustador de acidentes e incidentes, que tiveram como causa principal algumas falhas de projeto. Foram corrigidas, mas, a imagem do avião foi extremamente prejudicada, com 32 acidentes graves e um total de 1.261 mortos. Um dos problemas estava relacionado com as portas de carga. Elas foram projetadas para abrir para fora da aeronave, e não para dentro, como acontece na maioria dos aviões comerciais. O intuito era permitir que o operador pudesse carregar melhor o porão do jato. Porém, era primordial que o sistema de travas garantisse que as portas não se abrissem durante o voo, o que poderia levar a uma grave situação de despressurização explosiva. E foi justamente isso o que aconteceu em dois voos. No dia 12 de junho de 1972, um DC-10 da American perdeu uma das portas do porão após decolar de Detroit. Os danos causados na área interna da aeronave prejudicaram o funcionamento dos comandos de voo, mas, felizmente, a tripulação conseguiu realizar com sucesso um pouso de emergência. A mesma sorte, entretanto, não tiveram os ocupantes do voo 981 da Turkish Airlines, em 3 de março de 1974. O DC-10 caiu após decolar de Paris devido à abertura da porta de carga seguida de uma despressurização explosiva. O assoalho que separava o porão da cabine de passageiros se desintegrou e tudo veio abaixo, rompendo os cabos de comando do DC-10. Não houve sobreviventes. A FAA, em seguida, ordenou que todos os trijatos ficassem no chão até que a fábrica apresentasse um novo sistema para fechamento das portas do porão.

Concorrência com o L-1011 e 32 acidentes graves precipitaram declínio do DC-10

Em 25 de maio de 1979, o mundo foi surpreendido mais uma vez com um acidente grave envolvendo uma aeronave DC-10. O jato mergulhou em direção ao chão logo após decolar do Aeroporto Internacional O’Hare, de Chicago. Todos os 271 ocupantes do voo 191 morreram, além de outras duas pessoas atingidas no solo. A FAA ordenou a suspensão dos voos operados pelos DC-10 em território norte-americano até que as causas do acidente fossem identificadas. O relatório final do acidente com o voo 191 apontou falha grave de manutenção durante o processo de acoplagem do motor nº 1, que acabou provocando a ruptura do suporte durante a decolagem. O motor se separou da asa e danificou o sistema de alimentação dos controles de voo. Os slats no lado esquerdo se recolheram e a queda repentina de sustentação fez o DC-10 girar para o mergulho em direção ao solo.

Certamente, o caso de maior repercussão envolvendo uma aeronave DC-10 foi o do voo 232 da United Airlines, ocorrido em 19 de julho de 1989. O jato capotou na pista do pequeno Aeroporto Gateway de Sioux City ao executar o pouso de emergência. A tripulação heroicamente conseguiu trazer o avião até a pista, sem contar com quaisquer controles de voo funcionando – os pilotos corrigiam o rumo com aplicação de potência assimétrica nos motores das asas. O reator central explodira durante o voo, causando a perda de todo o sistema hidráulico da aeronave. Dos 285 passageiros, 111 perderam suas vidas, e apenas um dos 11 tripulantes faleceu. Após o acidente, o sistema de controle de voo do DC-10 foi revisto, incorporando nova arquitetura e proteções.

Por Robert Zwerdling
Publicado em 30/07/2014, às 00h00 - Atualizado às 19h10


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