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A incrível saga dos jatos leves

Ao longo de três décadas os jatos leves encararam desafios e sua incrível saga persiste ainda nos dias de hoje, ainda que diferente do planejado


O exótico A700 tinha dois lemes traseiros se projetando do meio das asas e interligados por um estabilizador horizontal superior - Adam Aircraft
O exótico A700 tinha dois lemes traseiros se projetando do meio das asas e interligados por um estabilizador horizontal superior - Adam Aircraft

As grandes turbulências econômicas sempre mexem com as categorias de entrada do mercado aviação de negócios. Nas primeiras duas décadas do século 21, já foram três rupturas: os atentados de 11 de setembro de 2001, a crise financeira de 2008 e a pandemia do novo coronavírus de 2020.

Nesse período, diferentes fabricantes investiram milhões de dólares nos chamados Very Light Jets, ou apenas VLJ, modelos que prometiam ser o futuro da aviação geral. Passados 20 anos, o mundo mudou e as características desse segmento de mercado também.

Ainda assim, os VLJ mostraram resiliência, ainda que com diferenças em relação ao que se imaginava na virada do milênio.

Gulfstream Peregrine
A Gulfstream também cogitou converter o avião de treinamento militar Peregrine 600 em uma aeronave de negócios

Gulfstream Peregrine

Não era um conceito exatamente novo. Alguns aviões da década de 1950 tentaram atender a requisitos semelhantes, como a versão civil do jato francês Morane-Saulnier MS.760 Paris, comercializada nos EUA pela Beechcraft.

Nos anos 1980, a Gulfstream também cogitou converter um fracassado avião de treinamento militar (Peregrine 600) em uma aeronave de negócios. 

O “Gulfstream Peregrine” teria peso máximo de decolagem de 8.800 libras (3.992 quilos) e capacidade para até sete passageiros e um piloto.

Sua principal inovação era a configuração monomotora: um único turbofan Pratt & Whitney JT15D-5, de 2.900 libras-força, posicionado na parte traseira da fuselagem. O avião passou por testes entre 1983 e 1985, mas esbarrou em questões regulatórias.

LeopardLeopard

Nessa mesma época, nasceu o projeto Leopard, da Chichester-Miles Consultants, empresa que, nos dias de hoje, seria considerada uma “startup”. O pequeno fabricante britânico projetou um avião com um design futurista (considerando os padrões da década de 1980) para um piloto e três passageiros. O peso máximo era da ordem de oito mil libras (3.628 quilos) e a motorização ficava a cargo de dois pequenos reatores Williams FJX-1 de 700 libras-força cada. 

Por uma década, a CMC tentou viabilizar o projeto, participando até do Farnborough International Airshow em 1996. Os regulamentos restritivos impediram que os ingleses se tornassem pioneiros nos VLJ.

Williams V-Jet II

Williams V-Jet II
Como em todos os projetos de Rutan, o V-Jet II abusava do uso de materiais compostos e tinha formas aerodinâmicas revolucionárias – Foto: AERO Magazine/Edmundo Ubiratan

A década de 1990 marcou um enorme salto tecnológico da aviação experimental nos Estados Unidos. A crise enfrentada pelos tradicionais fabricantes da aviação geral criou condições para que surgissem novos modelos, como o Cirrus SR20 e o Columbia, aparelhos que incorporaram inovações aerodinâmicas, novas técnicas construtivas e o extensivo uso de materiais compostos.

Parte desse avanço se deu em razão de estudos da Nasa voltados à aviação geral, os chamados Advanced General Aviation Transport Experiments (Agate). O boom criativo chamou a atenção do lendário projetista Burt Rutan, fundador da Scaled Composites (hoje parte da Northrop Grumman), que desenhou o Williams V-Jet II.

Como em todos os projetos de Rutan, o V-Jet II abusava do uso de materiais compostos e tinha formas aerodinâmicas revolucionárias. Ao voar em 1997, o V-Jet mostrou a viabilidade técnica de um Very Light Jet, um conceito que começava a ser popularizado. A apresentação do modelo foi feita no mesmo ano, durante a AirVenture, em Oshkosh.

O protótipo era pouco mais que um demonstrador de tecnologia para os turbofans compactos em desenvolvimento pela Willians International, sócia no projeto. Mas trazia novidades com potencial de mudar tudo o que se fazia então no setor de jatos leves.

Eclipse EA500

Eclipse EA500
Nos anos 2000 a Eclipse Aviation prometia um jato leve custando menos de 1 milhão de dólares

Os estudos do V-Jet II chamaram a atenção do norte-americano Vern Raburn – um executivo que havia feito carreira de sucesso em empresas do setor de informática, como a Microsoft e a Symantec – e o levaram a fundar, já em 1998, a Eclipse Aviation. O objetivo era conseguir recursos para viabilizar industrialmente as ideias de Burt Rutan (o ex-patrão Bill Gates acabou se tornando um dos investidores), consolidadas em um novo avião, inicialmente denominado Eclipse Concept Jet, ou ECJ.

Um pequeno jato de negócios para piloto e cinco passageiros, capaz de rivalizar em desempenho com modelos maiores (como a família Citation Jet), mas custando uma fração do preço e com custo operacional bem mais baixo.

A expectativa da Eclipse era vender por cerca de um milhão de dólares (na época, cerca do dobro do valor cobrado por um bom avião bimotor a pistão), um jato compacto, confortável e veloz, que fosse capaz de operar em pequenos aeródromos e certificado para single pilot.

Renomeado EA500, o modelo tinha peso máximo de decolagem de dez mil libras (4.540 quilos) e deu origem à nova categoria Very Light Jet. Isso obrigou as autoridades de aviação, especialmente a FAA norte-americana, a correr contra o tempo para montar um conjunto de regras e parâmetros que viabilizassem a certificação dessa nova classe de aeronaves. 

Os engenheiros da Eclipse optaram por métodos construtivos mais realistas do que os usados no V-Jet II, como a estrutura metálica em lugar de materiais compostos. Além do menor custo, o metal não exigia um novo processo de produção, que poderia criar mais obstáculos na certificação. Para manter o peso estrutural na faixa planejada, os projetistas desenvolveram um processo de soldagem por fricção, unindo as seções por solda, em vez de rebites. 

O processo permitiu obter um melhor resultado aerodinâmico, além de redução no peso mas gerou um novo desafio: aplicar uma proteção contra corrosão nas partes soldadas, já que o eventual acúmulo de umidade nas junções dificilmente seria notado pelos usuários e daria margem a diagnósticos tardios de corrosão. A tecnologia anticorrosão criada pela Eclipse se revelou eficiente e inovadora.

EA500
Eclipse Aviation apostou no conceito de produção da indústria automobilistica para reduzir os custos do EA500

Lógica automotiva

A promessa de baixo preço obrigou a Eclipse a reduzir drasticamente os custos. Foi preciso alterar os processos de produção consolidados no setor aeronáutico, onerosos e com pouca margem para mudança. Toda alteração exigia um processo caro e demorado de certificação, sem garantias de que seria obtida.

A inspiração veio dos processos de produção em série usados na indústria automotiva: “fordismo” no lugar da montagem quase artesanal usada pelos pequenos fabricantes de aeronaves. A redução nos custos derivaria, em boa parte, de um grande aumento na escala de produção.

Cada componente passou a ser produzido em um molde especial e o conjunto já dava forma à fuselagem, como nos automóveis. Foi possível aliviar o peso da estrutura sem comprometer a resistência, mantendo a precisão da construção. Permitia ainda que a equipe montasse as estruturas das fuselagens em apenas um turno. O interior, projetado em componentes modulares como nos automóveis, podia ser instalado em menos de uma hora.

Cockpit Eclispe EA500
A suíte de aviônica original do Eclipse 500 era fornecida pela Avio, mas mostrou limitações frente à complexidade dos sistemas

Nova aviônica

Mas a realidade nem sempre acompanha o que se coloca na prancheta. Ao projetar a aviônica do ECJ, no final dos anos 1990, a Eclipse apostou no então inovador conceito de glass cockpit (alusão às superfícies de vidro das telas multifuncionais usadas nos painéis de comando em substituição aos instrumentos convencionais) e especificou configurações muito exigentes para os sistemas da época.

A suíte de aviônica original, fornecida pela Avio, mostrou limitações frente à complexidade do sistema e teve de ser substituída por um painel de nova geração (Avio NG), o que gerou atrasos e custos extras. O sistema só foi homologado em 2007, quando a plataforma Garmin já começava a despontar como padrão no segmento de entrada: um sistema “de prateleira” e modular, com custo bem menor do que a opção da Eclipse.

Os motores

A motorização se mostrou outro entrave. O primeiro protótipo do EA500 voou em agosto de 2002 com dois turbofans EJ-22 da Williams International, cada um com 700 libras-força de empuxo. Mas o peso da aeronave se tornava cada vez maior e o desempenho ficou insatisfatório. A Eclipse passou pelo maior pesadelo de um fabricante: substituir motores com um programa em andamento, o que exigiu uma reconfiguração completa dos sistemas do avião.

A nova escolha recaiu nos turbofan PW615 da Pratt & Whitney Canada, na época o reator disponível mais adequado ao programa EA500, mas longe de ser o ideal. A P&W teve de redesenhar parcialmente o motor, criando a nova série PW610F, de 900 libras-força (ante as 1.350 libras-força do PW615). A substituição atrasou em dois anos o projeto, e o primeiro voo do avião remotorizado só aconteceu 2004, ano em que as entregas já deveriam estar começando, conforme o cronograma inicial.

Espaço aéreo saturado

A Eclipse Aviation desenvolvia seu aparelho e os grandes fabricantes do setor já percebiam na categoria VLJ um bom mercado potencial. Foram em parte induzidos pela FAA, que manifestava preocupação com uma ameaça de saturação do espaço aéreo pelos jatos ultraleves prestes entrar em operação. A situação era tão séria que um grupo de trabalho chegou a ser criado para avaliar o impacto dos “jatinhos” cruzando os céus e disputando espaço com aeronaves comerciais e aviões maiores.

Havia o temor de que os VLJ se tornassem um equivalente das motocicletas no trânsito de algumas grandes cidades. Com elevada performance, relativamente baratos, produzidos em grande escala e planejados para serem pilotados pelos proprietários, era natural imaginar que, em poucos anos, dezenas de milhares de VLJ estariam cruzando os céus do planeta.

ATG
Como Javelin a ATG acreditava que havia mercado para um jato superesportivo dentro da categoria FAR 23

Estranhos concorrentes

No amadurecimento do conceito dos VLJ, surgiram projetos que traziam ideias bastante peculiares. Um deles era o Javelin, apresentado pela Aviation Technology Group (ATG), em sociedade com a Israel Aerospace Industries (IAI).

Seu formato lembrava o dos treinadores militares, com dois ocupantes sentados em tandem (um na frente outro atrás) e o avião tinha uma excelente performance ao custo de quase três milhões de dólares. A ATG acreditava que havia mercado para um jato superesportivo que pudesse se enquadrar na categoria FAR 23, de aeronaves pequenas e leves. O primeiro voo do Javelin ocorreu em setembro de 2005.

Três anos depois, a empresa declarou falência. Simplesmente não houve interessados em comprar o avião. Nem mesmo a força aérea dos Estados Unidos aceitou o modelo como concorrente no programa T-X, que selecionou um treinador para substituir os veteranos T-38 Talon.

Adam Jet
O exótico A700 (primeiro plano), da Adam Aircraft não passou da fase experimental. Modelo era inspirado no A500 (acima) um biturboélice push-pull

Dois outros projetos norte-americanos chamaram atenção. Ambos usariam os motores Willians FJ33 e prometiam preço de venda abaixo dos dois milhões de dólares. Um era o exótico A700, da Adam Aircraft, que tinha dois lemes traseiros se projetando do meio das asas e interligados por um estabilizador horizontal superior.

Já o Safire Jet, da Safire Aircraft, tinha desenho mais convencional. Dificuldades financeiras impediram que os protótipos do A700 concluíssem o processo de certificação, e o Safire nem chegou a voar. Um terceiro programa, o Avocet Projet, desenhado pela IAI, teve carreira ainda mais curta e nem saiu do papel. 

PiperJet

Piper Jet
O Piper Jet usava a estrutura básica do PA-46 Malibu Meridian com o motor montado no estabilizador vertical que recebeu um sistema de vetoração passiva de empuxo – Foto: AERO Magazine/Edmundo Ubiratan

Apesar dos reveses, a euforia seguia estimulando o mercado. Fabricantes tradicionais apresentaram projetos aparentemente mais viáveis do que os jatos excêntricos de empresas “emergentes”. A Piper, importante fabricante da aviação geral, lançou o PA-47, batizado PiperJet ou Altaire. A empresa tinha a possibilidade de usar soluções desenvolvidas em modelos anteriores como base para o programa, minimizando custos e riscos (o monoturboélice Piper M600, por exemplo, deriva do monomotor a pistão Matrix). 

No Altaire, os engenheiros aproveitaram a plataforma do modelo PA-46 Malibu Meridian. Essa fuselagem abria espaço para uma cabine espaçosa e o projeto eliminou o túnel no chão por onde passava a longarina da asa. O desafio era achar lugar para o reator Williams FJ44-3AP, já que o modelo original usa um propulsor com hélice no nariz. 

A solução se mostrou tão criativa quanto desastrosa: o turbofan foi encaixado na raiz do estabilizador vertical, como nos jatos comerciais DC-10. Nessa posição, o empuxo força o nariz da aeronave para baixo e, para compensar esse efeito, o Altaire teve de receber um sistema de vetoração passiva de empuxo: um bocal móvel na saída do motor que direcionava o ar de acordo com a potência aplicada. 

Anunciado em 2006, o Altaire só voou em julho de 2008, quando o preço do avião já superava os 2,5 milhões de dólares, incompatível para uma aeronave com seu desempenho. A crise de 2008 levou a Piper a suspender o projeto, definitivamente cancelado em 2011. O único exemplar produzido teve como destino o Florida Air Museum, em Lakeland, que conta com um valioso acervo de aeronaves experimentais.

Diamond D-Jet

Diamond Jet
A Diamond se aventurou no segmento dos VLJ quando em lançou em 2005 o D-Jet, mas o custo elevado e falta de financiamento inviabilizaram o projeto

A Diamond também se aventurou no segmento dos VLJ. Famosa por projetos notáveis em aerodinâmica e performance, a empresa austríaca lançou em 2005 o D-Jet, um monojato construído em material composto que também deveria custar menos de dois milhões de dólares. O propulsor Williams FJ33-4A-19 (de 1.900 libras-força) foi instalado na parte de baixo da fuselagem, logo atrás do bordo traseiro da asa. Seu painel era equipado com um Garmin 1000, que já se destacava entre os sistemas glass cockpit para modelos de entrada. 

Diamond Jet
Único motor era montado sob a fuselagem em um conceito bastante simples e eficiente 

Certificado para operações single-pilot, levava até quatro passageiros e ostentava bons números de desempenho, incluindo velocidade máxima de 315 nós, alcance de 1.300 milhas náuticas (2.500 quilômetros) e teto de serviço de 25 mil pés.

O primeiro protótipo voou em 2006 e mais dois exemplares foram feitos, mas a Diamond sentiu no caixa o custo de desenvolver um jato. A crise financeira de 2008 agravou a situação e, dois anos depois, o projeto foi suspenso. 

Em 2012, o programa ganhou uma segunda chance e a Diamond retomou os voos de teste. A equipe aguardava a montagem de um quarto exemplar e o D-Jet, que voava a Mach 0,56 em cruzeiro, parecia ter um futuro promissor. Mas a Diamond não obteve financiamento para prosseguir com a certificação e cancelou definitivamente o projeto.

Monojato da Cirrus

Cirrus Vision
Cirrus passou quase três décadas acreditando no potencial do monojato, o que se tornou realidade com o Vision SJ50

Outro fabricante a entrar na corrida pelos VLJ foi a Cirrus. A empresa, criada nos EUA em 1984, desde o final dos anos 1990 despontava no mercado com uma linha atraente de monomotores a pistão. Quando anunciou em 2006 que iria desenvolver um monojato apelidado de “The Jet”, a Cirrus estava bem preparada para encarar o desafio. O primeiro mock-up foi mostrado no ano seguinte e modelo fez sua estreia na Labace de 2007, em São Paulo, com a empresa apostando no potencial global do seu VLJ.

O desenho era bastante inovador. Os projetistas aliaram uma ampla cabine para sete ocupantes com um único motor Williams FJ33-5A de 1.800 libras-força posicionado sobre a cauda, no centro de uma empena traseira em V. Essa opção resolvia alguns problemas: mantinha o motor longe de detritos, melhorava o posicionamento do centro de gravidade do avião e preservava o espaço interno da cabine.

Rebatizado Vision SJ50 em 2008, o jato da Cirrus realizou o primeiro voo em julho daquele ano, poucos meses antes da eclosão da crise financeira que devastaria a aviação geral nos anos seguintes. Mesmo sofrendo perdas menores do que a de seus concorrentes, a capacidade de financiamento da Cirrus ficou prejudicada. O fabricante manteve o programa, mas reduziu o ritmo de investimentos. 

No ano seguinte, o modelo foi renomeado Vision SF50 (trocando o J pelo F) e passou a voar com menos frequência. Enfrentando crescentes dificuldades financeiras, a Cirrus avançava em passos lentos nos ensaios em voo do jato. Em 2011, quando a empresa foi comprada pela China Aviation Industry General Aircraft (CAIGA), o programa recebeu um novo aporte financeiro. O desenvolvimento do Vision foi acelerado, e o jato passou a ser produzido em série a partir de 2016. Havia dúvidas quanto à sua aceitação pelo mercado, e a Cirrus redefiniu o modelo como um Personal Jet, evitando competir diretamente com os VLJ já em operação.

Embraer

Em julho de 2000, durante o Show de Farnborough, a Embraer anunciou sua entrada no mercado da aviação de negócios e a aposta deu certo e, apesar de críticas em relação ao acabamento e à performance, o custo do Legacy era imbatível na sua categoria, o que o tornou muito popular. Dois anos mais tarde, a empresa brasileira anunciou que passaria a ter uma divisão exclusiva para a aviação de negócios, denominada Embraer Executive Jets. 

Phenom 100

Embraer Phenom 100
Ao ser anunciado em 2005 o Phenom 100 não era somente um avião novo, mas um projeto inovador. Um jato leve para até sete passageiros, com peso máximo de decolagem na faixa de dez mil libras (4.800 quilos), aviônica de última geração e um surpreendente lavatório.

Em abril de 2005, a Embraer anunciou que trabalhava em uma família de jatos leves, que seria composta por dois modelos, o Phenom 100, para o mercado Very Ligh Jet, e o Phenom 300, destinado ao já consolidado mercado Light Jet, onde concorreria com modelos como Citation Jet, Learjet e Hawker 800.

Phenom 100 e Phenom 300
Embraer entrou definitivamente na aviação executiva com o lançamento dos Phenom 100 e Phenom 300

O anuncio oficial dos modelos ocorreu em novembro daquele ano, durante a NBAA-BACE, com apresentação de um mock-up em escala real do Phenom 100. Não era somente um avião novo, mas um projeto inovador.

Um jato leve para até sete passageiros, com peso máximo de decolagem na faixa de dez mil libras (4.800 quilos), aviônica de última geração e um surpreendente lavatório. Até então, aviões leves contavam no máximo com uma caixa sanitária adaptada sob uma das poltronas da cabine de passageiros para a eventualidade de uma constrangedora emergência.

O primeiro voo do Phenom 100 ocorreu em julho de 2007, mas o amadurecimento do projeto não foi fácil. Diversas revisões tiveram de ser feitas, incluindo a adoção de uma solução aerodinâmica pouco elegante sobre as asas, com a aplicação de quatro aletas, conhecidas por wing fences.

Apesar desses contratempos, o projeto vingou. Em 2009, a Embraer ainda trabalhava no desenvolvimento do modelo 300, mas seu irmão de menor porte já acumulava 97 entregas, apesar da crise financeira internacional. Hoje, já existem cerca de 400 em voo.

A estreia do Phenom 300 em 2010 causou enorme impacto no segmento de jatos leves. Se a Embraer havia tido dificuldades com o Phenom 100, o mesmo não ocorreu com a versão maior, que logo dominou o mercado. A Embraer se tornou líder nesse segmento, o Phenom 300 foi jato de negócios mais entregue na década de 2010 e as vendas já superam as 500 unidades. 

Cessna Mustang

Cessna Mustang
Citation Mustang foi a resposta rápida da Cessna aos novos VLJ da Embraer, mas o modelo teve baixa aceitação no mercado

A Cessna, que por décadas liderou o mercado entry level com os jatos da família Citation, enfrentava o Phenom 100 da Embraer com o pequeno Mustang. Esse VLJ da Cessna havia voado pela primeira vez em abril de 2005, ou seja, já estava no ar quando a Embraer anunciou que tinha planos para o setor. 

O Citation Mustang era um projeto novo, com o qual a Cessna almejava conquistar a hegemonia no mercado dos VLJ. Tinha cabine oval, amplo espaço interno para até cinco passageiros, peso máximo de decolagem de 8.645 libras (3.930 quilos), suíte de aviônicos Garmin 1000 e dois motores Pratt & Whitney Canada PW615F de 1.460 libras-força cada, o mesmo propulsor adotado pelos Phenom 100. Como curiosidade, esse motor é aquele que teve o desenvolvimento parcialmente financiado pela remotorização dos EA500 em 2004. Mas, cinco anos mais tarde, a pioneira Eclipse estava passando por sérios problemas.

EA550

EA550 Eclipse

No momento em que Cessna e Embraer começaram a competir no segmento VLJ, a Eclipse Aviation abriu um processo de falência. A liquidação de seus ativos se deu em 24 de fevereiro de 2009. A estratégia dos gestores foi tentar salvar o projeto em detrimento da empresa. A Eclipse já havia conseguido entregar mais de 200 exemplares do EA500, mas o custo unitário do VLJ já era duas vezes e meia maior do que o prometido e a companhia operava seguidamente no vermelho.

Cockpit EA550
EA550 tinha cockpit renovado, com nova aviônica equipada com sistemas de visão sintética e autothrottle

Foi preciso um aporte de recursos para que o projeto renascesse em 2010, sob os cuidados da Eclipse Aeroespace, uma nova empresa que usava o mesmo logotipo em cores diferentes. Quatro anos depois, uma revisão do programa trouxe ao mercado o EA550, com melhorias em relação ao original, especialmente no cockpit – equipado com sistemas de visão sintética e reforçada (EVS), autothrottle e até freios anti-skid. 

Eclispe EA550
Em 2015 a cabine do EA550 era considerada pequena demais, mesmo para o segmento VLJ

Em 2015, a Eclipse se tornou parte da One Aviation, mas já não havia tempo para a recuperação do seu VLJ. Em 2017, após entregar os últimos seis exemplares, a One fechou a linha de produção do jatinho. Somente 33 unidades do EA550 foram produzidas. Em maio do mesmo ano, após entregar 479 unidades do Mustang, a Cessna também suspendeu a fabricação do VLJ com o qual um dia sonhara dominar o segmento. Oficialmente, o objetivo do fabricante foi concentrar esforços no modelo M2, maior, mais veloz e mais rentável.

Honda HA-420

HondaJet

A luta pelo domínio do mercado VLJ abriu as portas para uma grande diversidade de conceitos e ideias inovadoras. Uma empresa que não teve medo de arriscar foi a Honda, tradicional montadora de automóveis e motocicletas. Usando toda a tradição de seu nome, o conglomerado japonês decidiu criar uma divisão aeronáutica para disputar o então promissor segmento dos jatos leves. 

HondaJet
Interior do HondaJet conta com amplo espaço e baixo ruído de cabine

A Honda Aicraft Company foi fundada em meados de 1997 e assumiu o controle de uma série de estudos aeronáuticos experimentais inovadores que eram patrocinados pela empresa desde o final dos anos 1980.

Mas os primeiros sinais concretos do ingresso da Honda no mercado aeronáutico só ocorreram em 1999, com o anuncio de um VLJ para brigar pelo mercado de aviões de entrada.

Quando o projeto do HA-420 surgiu, chocou os puristas ao prever a instalação dos motores em naceles posicionadas acima das asas. 

A ideia não era inédita e tinha suas vantagens, mas nenhum fabricante havia tentado algo parecido em um avião produzido em série. Outra novidade é que a fuselagem não trazia o tradicional afinamento na sua seção posterior, adotando um conceito avançado de fluxo aerodinâmico laminar. O primeiro voo aconteceu em dezembro de 2003 e a primeira aparição pública do HondaJet se deu em Oshkosh, durante o AirVenture de 2005.

Como de costume, a Honda Aircraft pagou o preço da audácia. Mantendo a tradição das suas divisões automotivas, o fabricante queria desenvolver um motor próprio, que lhe daria mais autonomia e independência. Logo descobriram que projetar do zero não apenas um avião a jato, mas, também, seu motor era algo inviável até para uma grande empresa. Em 2004, Honda jogou a toalha e formou uma joint venture com a GE Aviation. 

Nos testes iniciais, o HA-420 não atingiu os parâmetros exigidos, o que levou a uma série de revisões de projeto. A expectativa era iniciar as entregas em 2010, mas a Honda só o fez quatro anos depois. A ampla cabine se revelou um diferencial importante e o HondaJet iniciou uma bem-sucedida campanha de vendas, tornando-se em 2017 o jato de negócios mais entregue do mundo. No ano seguinte, surgiu a versão aperfeiçoada Elite. Atualmente, o jato nipo-americano é líder de vendas na sua categoria, e contabilizava 150 entregas em março de 2020.

Monoturboélices 

Duas décadas depois do frenesi, o mercado enfim constatou a inviabilidade de um avião a jato com preço abaixo de um milhão de dólares. Alguns fabricantes abandonaram totalmente o conceito, enquanto outros se adequaram à realidade e firmaram posições com bons produtos nesse segmento de entrada. Mas, ao mesmo tempo, os monoturboélices pressurizados se consolidaram como concorrentes respeitáveis e difíceis de serem batidos.

Mais baratos do que os jatos para se adquirir, operar e manter, modelos como o TBM 940 e o Pilatus PC-12NG oferecem performance, capacidade de passageiros e tamanho de cabine muito próximos aos de seus rivais com motores a reação. O potencial desse segmento segue atraindo a atenção de grandes fabricantes como a Textron, que lançou o projeto Cessna Denali para entrar na briga por um dos poucos mercados que seu enorme portfólio ainda não cobre. Aparentemente, os monoturboélices ocuparam boa parte de um mercado que há 15 anos parecia estar reservado aos jatos muito leves.

Seria o fim dos VLJ? Provavelmente não. Phenom 100, Vision SF50, Honda Elite e o próprio Citation M2 são hoje aparelhos consolidados no segmento de entrada, direcionados a um público que não abre mão da performance e do status de um modelo a reação. Mas já não há grandes ilusões quanto ao tamanho desse segmento. E ninguém mais teme o caos causado por milhares de jatinhos circulando em volta dos aviões comerciais.

* Texto publicado originalmente na edição 317 de AERO Magazine
com o título "A saga dos VLJ". Republicado após atualização e revisão.

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Por André Borges Lopes, Edmundo Ubiratan e Giuliano Agmont
Publicado em 01/10/2020, às 08h00 - Atualizado em 04/09/2023, às 18h00


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